sexta-feira, 14 de setembro de 2012

OS LAGOS COMO EXPRESSÃO GEOMORFOLÓGICA DA PAISAGEM NA BAIXADA MARANHENSE, BRASIL.


José Raimundo Campelo Franco[2]
Universidade Federal do Maranhão

RESUMO
Aborda-se os lagos como corpos de água típicos da paisagem da região natural na Baixada Maranhense, no que tange o caráter geomorfológico que suscitam no conjunto da imensa planície sedimentar e também na sua identidade como recurso hídrico. Utiliza-se de um referencial teórico de ampla bibliografia específica em ambientes lacustres, Baixada Maranhense, história geológica da Terra e do estado da arte dos lagos na área objeto de estudo, o que corrobora para o entendimento substancial do comportamento sistêmico dos lagos, dentro de suas particularidades hídricas e geomorfológicas. O sensoriamento remoto teve um papel substancial para a visualização das províncias lacustres estudadas, no qual foi feito o levantamento cartográfico dos lagos com o uso uma imagem de satélite e posteriores sessões de interpretações de documentos cartográficos na ordem de cartas DSG de 1:100.000 e imagens e fotografias aéreas do programa Google Earth. A contribuição final do estudo propõe um pequeno ensaio, a grosso modo, da classificação lacustre da Baixada Maranhense, levando em conta a hidrografia fluvial compreendida por duas macrobacias (rios Pindaré e Mearim) e três bacias secundárias do oeste maranhense (rios Turiaçú, Pericumã e Aurá).

Palavras chaves: Lagos, Baixada Maranhense, Áreas Úmidas, Geomorfologia Ambiental, Recursos Hídricos, Natureza-Sociedade.

OS LAGOS COMO EXPRESSÃO GEOMORFOLÓGICA DA PAISAGEM NA BAIXADA MARANHENSE, BRASIL[1]

1 INTRODUÇÃO

Contemplar as paisagens úmidas das planícies de inundações dos baixos cursos dos rios maranhenses (extremidade norte maranhense) é uma terapia visual contagiante. É como relembrar as geograficidades clássicas exploradas pelo glorioso naturalista Alexander Von Humboldt quando descreveu a majestosa Floresta Amazônica em sua potencial riqueza natural. Já no contexto local, na mesma linhagem ambientalista, nos faz lembrar também o romântico Raimundo Lopes lançando as bases mais pitorescas da geografia lacustre da nossa baixada em sua obra Região Tropical. Compete ainda, as lembranças do autodidata Ozimo de Carvalho, pesquisador multidimensional e mais contemporâneo que os dois primeiros, quando idealizou bons parâmetros ambientais para o conhecido rosário de lagos capitaneado pelo rio Maracu, que até hoje compõem os desenhos curriculares das escolas daquela região.
As paisagens são bastante diversificadas, sendo possível presenciar formações campestres com variações que vão desde os campos limpos semelhante aos pampas sulinos do Brasil meridional, aos campos úmidos palustres, sendo estes em águas doces acumuladas nas pequenas bacias de inundação dos brejos e charcos ou mesmo em águas salobras configuradas em campos de apicuns e marismas nas planícies costeiras. Estas formações apresentam uma admirável capacidade de mudança no inverno seco, onde as gramíneas ganham uma roupagem semelhante às pradarias norte-americanas ou as estepes mediterrâneas.
Algumas particularidades da região amazônica são também bastante peculiares da Baixada Maranhense, como é o caso do trabalho fluvial na configuração e distribuição sazonal dos ambientes lacustres, da fisiologia das paisagens, que neste caso é bem ilustrado com os campos de várzeas e com as matas de igapós em suas inundações periódicas.
Não obstante, está a planície pantaneira do Mato Grosso, que ao dispor de sua topografia plana, destaca no bojo das suas paisagens um complexo hídrico entrelaçado de lagoas e pequenas bacias palustres, fazendo-nos lembrar, as inundação típicas das planícies de fluvio-lacustres regionais da Baixada Maranhense, como o lago da planície de inundação do rio Pericumã e os lagos de Cajari e Viana.
Claro que as semelhanças dessas alegorias naturais não são meras coincidências. A começar pelo clima, percebe-se que a região tropical nos faz perceber apenas duas tipologias estacionais: o período chuvoso, sinalizado paisagisticamente pela subida do nível dos rios (ou verão chuvoso, que é chamado empiricamente de inverno) e o período de estio (ou inverno seco, chamado popularmente de verão) em que essas águas fluviais baixam de calado e os lagos se desagregam um dos outros e se configuram em um salpicamernto de pequenas lagoas. É justamente nesse percurso sazonal de ida e vinda das águas que o ciclo hidrológico se particulariza a cada realidade ambiental, engendrando uma diversidade de paisagens que se individualizam a partir de um jogo de combinações morfo-climato-botânicas residente em cada sítio ambiental.
A hidrografia e o relevo são fatores que assumem papel relevante na configuração das paisagens. Sem sombra de dúvida, a Baixada é a região natural maranhense melhor contemplada por águas fluviais. Enquanto o sul maranhense, em sua preponderância serrana, funciona como maior berçário dos rios genuinamente maranhenses, ao sediar todo relevo de montante que desce o sentido norte do Estado, a baixada acaba por ser o asilo natural deles, já que esses cursos fluviais de vales profundos e caudalosos em seus estágios finais de senilidade se estagnam exatamente na suntuosa planície sedimentar da Baixada Maranhense.

Depois de nascerem, os rios descem das chapadas deslizam em filetes de micro-relevos, recebem centenas de afluentes de todos os tamanhos, declinam em corredeiras, precipitam-se em cachoeiras, serenam em cursos meandricos para finalmente se espraiarem em conchas lacustres ou em pequenas bacias de inundação de curta perenidade. Não encontrando ainda seu itinerário final, buscam a planície litorânea, entram em embate com as águas salgadas nas fozes alargadas como é o caso da confluência dos rios Pindare e Mearim ou transbordam em pequenos rios emissários que se afunilam topograficamente em reduzidas rias salinas.

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para o geógrafo, o uso de modelos é um instrumento de trabalho que deve ser utilizado na análise dos sistemas das organizações espaciais. A construção de modelos pode ser considerada como estruturação seqüencial de idéias relacionadas com a composição sistêmica. O modelo permite estruturar o funcionamento do sistema, a fim de torná-lo compreensível e expressar as relações entre os seus diversos componentes. (CHRISTOFOLETTI, 1985).
As abordagens direcionadas a partir da geografia ambiental terão um direcionamento para a visão geossistêmica, quando será explicado o modelo geomorfológico concernente aos lagos e a incidência destes modelos na paisagem da Baixada Maranhense. “A abordagem sistêmica serve ao geógrafo como instrumento conceitual que lhe facilita tratar dos conjuntos complexos, como os da organização espacial, (...) além de propiciar oportunidade para considerações críticas de muitos dos seus conceitos” (CHRISTOFOLETTI, 1985).
A partir do arcabouço teórico plenamente definido, utilizaram-se as seguintes técnicas:
- Revisão bibliográfica;
- Levantamento cartográfico das províncias lacustres;
- Interpretação de imagens de satélites Ladsat: TM5 bandas 345, projeção UTM/SAD 69, out-1995, dez-2004.
- Análise de cartas DSG de 1:100.0000 SA.23-Y-B-III (Santa Helena - 493), SA.23-Z-A-I (Guimarães, 494), SA.23-Z-A-II (Alcantara, 495), SA.23-Y-B-VI (Pinheiro, 547), SA.23-Z-A-IV (S. J. Batista, 548), SA.23-Z-A-V (São Luís, 549), SA.23-Y-D-III (Penalva, 608) SA.23-Z-C-I (Arari, 609), SA.23-Z-C-II (Itapecuru-Mirim,610), SA.23-Z-C-IV (Lago Açu, 672), SA.23-Y-D-VI (671). (BRASIL, 1982)
Nos trabalhos de interpretação de documentos cartográficos, foram reconhecidos os principais elementos geográficos que se destacam na paisagem (lagos, rios caudalosos, rios emissários, penínsulas, ilhas, enseadas, outeiros).


3 RESULTADOS E DISCUSSÕES I: OS LAGOS COMO UNIDADES GEOMORFOLÓGICAS



Toda água do planeta está em contínuo movimento cíclico entre os estados sólido, líquido e gasoso. As reservas de maior interesse ao homem são as líquidas e principalmente as águas doces que são representadas pelos rios e lagos. Desta forma, cabe aqui o entendimento das diferenças desses dois acidentes geográficos.
Conforme aponta ODUM (2004), os ambientes de água doce podem ser classificados em duas séries:
a) de água parada ou lênticos (lenis, calma), nos quais se enquadram os lagos, lagoas, charcos ou pântanos.
b) de água corrente ou lóticos (lótus, lavado) como se comportam as nascentes, ribeiros ou rios.
A legislação ambiental brasileira também se dispõe a classificar as águas quanto ao seu comportamento dinâmico. BRASIL (2005), através da Resolução n°. 357 de 17 de março de 2005, define no seu artigo proposição semelhante: 2º: Para efeito desta Resolução são adotadas as seguintes definições: [...] IV - ambiente lêntico: ambiente que se refere à água parada, com movimento lento ou estagnado; V - ambiente lótico: ambiente relativo a águas continentais moventes.
Os lagos estão dispostos naturalmente (ou artificialmente) na superfície terrestre como corpos lênticos, isto pelas condições limitadas de seus movimentos e pela disposição física das suas águas. Estas condições abrem iminente necessidade de analisar suas conceituações que exploram e justificam estas e outras especificidades mais comuns.

3.1 Revendo bases conceituais

Ao começar por SCHAFER (1984), observa os lagos como corpos hídricos localizados em depressões fechadas, as quais tornam impossível um fluxo contínuo de água em sua totalidade. A idéia, por sinal, bem elaborada, conduz a um entendimento de que os lagos nunca chegam a possuir um fluido hídrico permanente, propriedade física inerente da sua natureza topográfica de ser numa depressão. Outra acepção que aqui se faz, é que essa depressão é fechada até o seu nível hidrostático de ligação com outro corpo hídrico, que vai depender da sua base física, seu tamanho e profundidade.
GUERRA & GUERRA (1993) consideram os lagos como depressões do solo produzidas por causas diversas e cheias de águas confinadas, mais ou menos tranquilas, pois dependem da sua área de abrangência. Novamente a natureza genérica de se constituírem como depressões na superfície terrestre e a dinâmica hídrica de poucos movimentos são atributos claramente relativizados.
ESTEVES (1998) enseja contribuição importante quando enfatiza que os lagos são corpos de água interiores, sem comunicação direta com o mar. São elementos temporários das paisagens da Terra por possuírem curta durabilidade na escala geológica. O conceito expressa a diferença entre as lagunas que possuem tal comunicação com o mar e, por conseguinte, altos índices de salobridade. Esteves (op cit) pontua o caráter geomorfológico dos lagos quando acrescenta seu caráter temporário, passível dessa característica por estar associado a certas condições de sedimentação, especialmente os lagos interligados por rios que agregam altos gradientes de transporte e acumulação de sedimentos em sua natureza corrente.
Finalmente SUGUIO (2003) caracteriza o ambiente lacustre por apresentar água relativamente tranqüila, em geral doce, embora exista lagos com água salgada e até hipersalina situados comumente no continente. Essa consideração primeiramente nos remete que a característica mais marcante dos lagos é o seu comportamento de ambiente lêntico, já que foi pontuada por três autores. Outra consideração importante nesta conceituação é que existem lagos salgados, embora não sejam tão comuns na superfície terrestre e se diferenciam das lagunas por não terem ligação com os oceanos, ou seja, encontram-se interiorizadas nos continentes, significando que todo lago salgado foi um antigo braço de mar.
3.2 Sistemas lacustres – sistema ou conjunto?

Para ODUM (2004), a origem catastrófica dos lagos nas idades glaciares ou em períodos de intensa atividade vulcânica, produziu uma distribuição localizada das suas bacias nas grandes extensões terrestres, porque os acontecimentos que originaram essas bacias, ainda que grandiosos, não ocorreram simultaneamente, ou de modo igual, por toda parte. Os lagos, portanto, tendem a agrupar-se em regiões de lagos, principalmente os lagos tectônicos e os lagos originados das épocas glaciares. Este é o caso do Rosário de Lagos na Baixada Maranhense[3], surgido a partir de movimentos diferenciais na crosta terrestre.
O sistema lacustre pode ser compreendido no sentido coletivo como um aglomerado de corpos hídricos, que se incluem elementos de comunicação interna, além dos componentes lacustres intermediários que agregam funções diferenciadas entre si.
Por outro lado, a designação de sistema lacustre é comumente utilizada das concepções da Teoria de Sistemas, voltada para o enfoque das ciências naturais, sendo empregada para um lago em sua base sistêmica. Segundo MENDONÇA (1997), o sistema é definido como um conjunto de objetos ou atributos e suas relações organizadas para executar uma função particular.
Desta forma, o sistema de um conjunto de lagos ou um sistema lacustre pode ser justificado a partir da concepção geomorfológica de geossistemas, “a abordagem sistêmica serve ao geógrafo como instrumento conceitual que lhe facilita tratar dos conjuntos complexos, como os da organização espacial, [...] além de propiciar oportunidade para considerações críticas de muitos dos seus conceitos” (CHRISTOFOLETTI, 1985).
BERTRAND (1972) apud CHRISTOFOLETTI (1999) define geossistema como “algo situado numa determinada porção do espaço, sendo o resultado da combinação dinâmica, portanto, instável de elementos físicos, biológicos e antrópicos, que fazem da paisagem um conjunto único e indissociável, em perfeita evolução”.
Aqui, se põe em evidencia o caráter geossistêmico dos lagos. Além da presença humana evidenciada pelos crescentes índices de urbanização das cidades, os lagos e seus elementos hídricos da Baixada Maranhense são bases de sustentação para as populações locais, através do extrativismo animal praticado na pesca artesanal e do uso dos recursos hídricos para a economia local, como a agricultura e a pecuária tradicional. Tais atividades e usos imprimem geografizações na fisiologia das paisagens. A exemplo cita-se algumas ações antrópicas que são cotidianas no interior destes lagos: a retirada de cobertura vegetal das orlas lacustres e dos divisores de águas das pequenas microbacias afluentes dos lagos, a construção de barragens entre os corpos hídricos e o aterramento de áreas de planície de inundação visando a construção permanente de terras-firmes.

3.3 A origem dos lagos – um acidente geográfico na superfície

Na concepção de DAVIS (1882), apud VON SPERLING (1999), considera-se que os lagos em suas depressões superficiais são ocasionados de um relevo desnivelado em uma determinada região topográfica. As ações que se manifestam no solo se originam basicamente de três tipos de processos: construtivos, destrutivos ou obstrutivos.
a) processos construtivos: ocorre em uma escala geológica de tempo, como ocorre com uma transgressão marinha.
b) processos destrutivos: atuam de forma localizada e em um período mais curto, como é o caso de uma explosão vulcânica.
c) processos obstrutivos: estão associados a barramentos de cursos de água, provocados, entre outras causas, por derramamento de lava ou por erosão eólica
Esses três processos originários dos lagos também são reconhecidos por SHÄFER (1984) entre outros autores.
Outra condição natural que se faz relevante em estudos sobre lagos, refere-se ao ciclo sedimentar a que estão submetidos. HUTHINSON (1957) enfatiza que os lagos parecem, na escala de anos ou da duração da vida humana, traços permanentes da paisagem, e que embora sejam geologicamente transitórios, nascem geralmente de catástrofes, para amadurecer e morrer lenta e imperceptivelmente.
Desta forma, os lagos são elementos dinâmicos das paisagens, estando naturalmente fadados ao desaparecimento por causa dos processos de sedimentação que variam na escala temporal. No caso dos lagos pequenos, ocorre ao longo de anos; em caso de lagos maiores, podem ocorrer em milhares ou milhões de anos. (VON SPERLING, 1999).
Em ótica semelhante, OBSEN & LEÔN (1997) consideram que os lagos são efêmeros do ponto de vista geológico porque no momento que se formam já se inicia o processo de sua destruição.
3.4 Ciclo geomorfológico dos lagos

Segundo ESTEVES (1998), o desaparecimento dos lagos está ligado a vários fenômenos dentre os quais cita o próprio metabolismo, como por exemplo, o acúmulo de matéria orgânica e a deposição de sedimentos transportados por afluentes.


OBSEN & LEÔN (1997) acrescentam que, além dos afluentes, os rios emissários e a vegetação aquática condicionam o gradativo desaparecimento de lagos: já que no caso dos afluentes tendem a assorear seu fundo com sedimentos, o que, com o tempo, provoca a perda de profundidade; já os rios emissários escavam fendas profundas nas margens da bacia, tornando o deságüe cada vez mais rápido; e a vegetação aquática em lagos pouco profundos favorece a formação de pântanos nas margens o que eleva à gradual dessecação.
Nos estudos morfométricos dos lagos, torna-se importante identificar as suas fontes de alimentação, as formas de escoamento e os processos de perda de água. Muitos lagos são alimentados diretamente por rios, aos quais se dá o nome de afluente. Fontes, neves, geleiras e chuvas também alimentam os lagos, enquanto que o escoamento das águas pode ser feito por meios de rios (chamados emissários); por infiltração ou drenagem subterrânea, como nos lagos localizados em terrenos de rocha calcária (OBSEN & LEÔN, 1997).
Concorda-se que a na ótica analítica do caráter geossistêmico, a sociedade humana age como um condicionante de erosão a mais para as bacias lacustres, já que a sua estadia na superfície terrestre é naturalmente passível de alterações no solo, nas águas e nas florestas, componentes exímios das bacias hidrográficas onde estão incluídas as depressões lacustres.

3.5 Tipos de Lagos

Os lagos podem ser de água doce, salobra ou salgada e variam em forma, tamanho e profundidade. Os de menor superfície são denominados lagoas, enquanto os maiores – como o Cáspio, por exemplo – recebem o nome de mares. (OBSEN e LEÔN, 1997).
Na concepção limnológica de ESTEVES (1998), o autor expressa a dificuldade em estabelecer as diferenças entre lagos e lagoas. Na ótica da geomorfologia, as lagoas são concebidas pelo simples critério de extensão e profundidade pequena, como ocorre na análise de GUERRA & GUERRA (1993).
Na abordagem de ODUM (2004), o autor descarta a possibilidade de se fazer uma distinção nítida sobre lagos e lagoas, porém acrescenta a possibilidade de se estabelecer diferenças ecológicas além do tamanho. Nos lagos, as zonas limnéticas e fundas são relativamente grandes se comparadas com as zonas do litoral. O inverso é verdadeiro para as massas de água geralmente designadas por lagoas.
ESTEVES (1998) sugere um critério simples no qual pode se tomar a profundidade da bacia lacustre e a profundidade que alcança a região iluminada na coluna de água. Como lagoas, podem-se considerar os corpos de água rasos, de água doce, salobra ou salgada em que a radiação solar pode alcançar o sedimento, possibilitando conseqüentemente o crescimento de macrófitas aquáticas em toda sua extensão.
A classificação dos fenômenos naturais que originam os lagos são bastante variadas, inexistindo, portanto idéias exatas e bem partilhadas sobre os fenômenos originários.
Para HUTCHINSON (1957) foi possível reunir 11 grupos de processos formadores dos lagos, diferenciando um total de 76 tipos com base na sua estrutura geomorfologica. Outros autores pioneiros no assunto definem classificações mais reduzidas como é o caso de WETZEL (1993), SHÄFER (1985) e ESTEVES (1998).
Ao suscitar uma implementação para a classificação de Hutchinson, incluindo, inclusive, a consideração de outros autores da atualidade, VON SPERLING (1999) considera 12 processos formadores principais, tomando a classificação de Hutchinson como base:


a) de origem tectônica;
b) atividades vulcânicas;
c) processos glaciais;
d) de origem costeira;
e) erosão eólica;
f) de origem orgânica;
g) de deslizamento de material mineral;
h) atividade de rios;
i) dissolução de rochas;
j) escavações artificiais;
k) impactos de meteoritos;
l) represas ou barramentos artificiais.


4 RESULTADOS E DISCUSSÕES II: AS PAISAGENS LACUSTRES DA BAIXADA MARANHENSE

4.1 Os estudos de lagos no Brasil

Para GUERRA & GUERRA (1993), estudos referentes aos lagos do Brasil ainda são bastante reduzidos. Esta situação está ligada ao fato de as bacias lacustres ocuparem uma extensão muito pequena quando comparada à massa hidrográfica e a extensão territorial do país.
A classificação de lagos brasileiros mais conhecida deve-se a ESTEVES (1998) o qual agrupou os lagos em cinco grupos diferenciados, mas não levou em conta o aspectos dos processos formadores que originaram os lagos, conforme a figura 4.1: a) lagos amazônicos; b) lagos do Pantanal Matogrossense; c) lagos e lagunas costeiras; d) lagos formados ao longo de rios e) lagos artificiais (represas e açudes).

Nessa classificação pouco detalhada, o autor não define os critérios escolhidos para tal seleção, enfocando três tipos lacustres identificados a partir de seus processos de origem (tipos “c”, “d” e “e”) e dois tipos arrolados com a característica regional do ambiente natural (tipo “a” e “b”), perfazendo apenas cinco tipos lacustres que são, apenas predominantes em cada subespaço, haja vista a ressalva entre parênteses “alguns”, constante na segunda e quinta categoria de lagos, ficando obvia a recomendação de que em tais espaços não são generalizados a somente aquela categoria lacustre demonstrada, mas a sua predominância, o que torna possível a existência de outros tipos de lagos, como é o caso da Baixada Maranhense em destaque, que agrega outros tipos de lagos além dos lagos formados pela atividade de rios.


FIGURA 4.1 - Tipologia dos sistemas lacustres brasileiros.
Fonte: Adaptado de ESTEVES (1998).

4.2 Os Ambientes Lacustres da Baixada Maranhense

Uma contribuição evidenciada de forma bem explicita por Esteves (op cit), ainda na figura 4.1 é que os ecossistemas lacustres da Baixada Maranhense estão designados em suas representações espaciais, como os sistemas de maior destaque em toda Região Nordeste do Brasil. Outra consideração a ser feita, é a carência de estudos que se tem destes lagos, principalmente estudos com bases na morfometria das bacias lacustres, na fisiologia das paisagens e nos parâmetros limnológicos.
O potencial ambiental da região úmida da Baixada Maranhense é bastante relevante. Mesmo os recursos hídricos tendo grande destaque na estrutura das paisagens inundadas, as abordagens científicas direcionadas aos lagos da Baixada Maranhense precisam ser mais estimuladas. Na maioria das situações cogitadas em produções científicas, referem-se a abordagens pouco exaustivas em que estes ambientes são apenas citados em breves discussões, sem necessariamente serem aprofundados. Diante da necessidade de conhecer as abordagens científicas sobre os ambientes lacustres, efetivou-se a análise da literatura que versa sobre os lagos da Baixada Maranhense.
COSTA NETO et al (2001-2002) estabelecem metodologias para análise de parâmetros limnológicos de ambientes hídricos da Baixada Maranhense considerando o ciclo de inundação dividido em 04 estágios:
a) campos em inundação;
b) inundação plena;
c) inundação em declínio;
d) estiagem plena”.
BARBIERI (1988) classifica o lago de Viana como “um lago típico de várzea, com uma grande área inundável em seus arredores”. COSTA NETO (1990), admite os regimes perene e temporário dos lagos da Baixada Maranhense, evidenciando dois ciclos de troca de energia que abrangem períodos diferentes, de acordo com a estação do ano: durante o período do “inverno”, que acontece de dezembro a junho, os rios e lagos perenes transbordam, inundando os campos e transformando-os em extensos lagos de pouca profundidade e o “verão” entre janeiro a maio.
COSTA NETO et al (2001-2002), diversificam esta classificação quando afirmam que tais ecossistemas lacustres apresentam extrema complexidade na estrutura e no funcionamento, sendo constituídos por:
a) lagos rasos temporários que ocupam toda área de campos inundáveis no período das chuvas;
b) lagos marginais;
c) sistemas lacustres permanentes”.
Nesta classificação, que parcialmente leva em conta o regime hídrico, não há direcionamentos em observação à origem dos lagos. Os estudos inicias dos lagos da Baixada poderiam fazer apologia ao caráter geomorfológico que agregam em cada subconjunto, o que poderia formar subsídios ao planejamento ambiental e ás políticas de revitalização do potencial hídrico e da qualidade das águas.
SUDENE/UFPE (1989) apud MARANHÃO (1991) classifica os lagos da Baixada em três tipos, sendo:
Lagos de barragem fluvial, oriundos de antigos meandros abandonados; comuns nas várzeas do Baixo Mearim; os fluviais de porte médio, situados em áreas alagadas dos rios regionais ou em paleo-canais fluviais, a exemplo do alinhamento de lagos do Açu; e os lagos que se situam em reentrâncias ou em rias interiorizadas, os quais representam remanescentes do paleo-golfo, a exemplo da lagoa Cajari.


De forma semelhante AB’SÁBER (2002) identifica três categorias diferentes de depressões lacustres:
a) lagos de barragem fluvial;
b) lagos fluviais de porte médio;


c) lagos situados em reentrâncias ou rias interiorizadas”.
Nesta abordagem mais técnica e analítica, se tem realmente a inclusão de categorias que fazem alusão a elementos tipológicos de origem dos lagos (como acontece com a categoria “c”), no qual Ab’Saber (op cit) justifica que alguns lagos de reentrâncias, como é o caso dos lagos de Viana e Cajari. Segundo LOPES os lagos que compõem o conjunto de recursos de água doce denominado Sistema Lacustre Pindaré-Mearim (FRANCO, 2008), se referem a testemunhos geológicos do antigo Golfão Maranhense que precedeu a Baixada Maranhense.
PINHEIRO (2003) divide a região de lagos da Baixada Maranhense (figura 4.2), utilizando-se de critério semelhante ao de região geográfica (DOLLFUS, 1972), na qual:
A região da Baixada Maranhense é formada pelas bacias hidrográficas dos rios Mearim, Pindaré, Aurá, Pericumã e Turiaçu. Os rios anualmente transbordam e suas águas inundam as planícies baixas da região, formando grande número de lagos, temporários e permanentes. Está dividida, de acordo com suas bacias hidrográficas, em Região I, Região II, Região III e Região IV.

4.3 Uma proposta de classificação

Bons ensaios sobre classificação de lagos poderiam ser feitos levando em conta suas particularidades diversas, como seu processo de origem, sua fonte de alimentação, sua comunicação com o mar. Os lagos da Baixada permitem ser classificados em no mínimo quatro critérios distintos, já que possuem origens diferentes ao longo do seu processo de construção, regime hídrico, tamanho e volume de água entre outros atributos.
FIGURA 4.2 – Bacias hidrográficas e regiões lacustres da Baixada Maranhense.
Fonte: PINHEIRO (2003).

Esta proposta suscitada neste trabalho (figura 4.3) levou em conta uma especificidade que possuem em comum: todos dependem de descarga fluvial como principal fonte de alimentação, o que os fazem ter dois períodos estacionais mais importantes, o período das cheias e o período das vazões, conhecidos popularmente como “inverno” e “verão”.


O ensaio parte desse critério por ser o mais simples e evidente, valendo a pena lembrar que se trata apenas de estudos iniciais. Outros ensaios futuros irão propor novas classificações que contarão com critérios de estudos mais aprofundados, como estudos geológicos do Quaternário, visita in loco dos sítios lacustres e geoprocessamento de imagens de satélites.
Figura 4.3: Classificação dos lagos da Baixada Maranhense quanto a sua rede fluvial de alimentação
Fonte: FRANCO (No prelo)

5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Baixada Maranhense é uma Área de Proteção Ambiental-APA desde 1991, se tornou um dos sítios ecológicos da Convenção Ramsar desde 2000, o que a faz representar uma área de planejamento ambiental de importância internacional para o equilíbrio ecológico do planeta. Com isto, torna-se imprescindível a introdução de políticas territoriais que controlem o uso dos recursos naturais disponíveis, o manejo dos ecossistemas que já se encontram debilitados e neutralizem os principais tensores ambientais que comprometem gradativamente a sustentabilidade em suas diversas dimensões socioespaciais.
No plano regional a Baixada Maranhense constitui-se como um importante componente geomorfológico do plano altimétrico da superfície do relevo maranhense. Nossas chapadas sulinas, além de representarem as escarpas mais baixas das Chapadas das Mangabeiras (unidade de relevo de destaque nacional), constituem o principal vertedouro de águas-doces do Meio Norte, que ao fluírem das nascentes, desfilam relevo abaixo que declinam uma média estimada de 600 metros de altitude para formar os pulsos de inundação pujantes que terão seu itinerário final nas mais variadas conchas lacustres, sinalizando a variação sazonal que será chamada empiricamente de inverno.
É nos trechos finais que os principais rios maranhenses passam a alocar essas características estacionárias e mais divagantes. Depois de perderem consideráveis gradientes de altitudes desde o alto das serras sul-maranhenses, eles encontram a grande planície da Baixada Maranhense em sua topografia plana, de poucos contrastes, quase rebaixada à altura do nível do mar por longos processos geológicos de colmatagem que perduram desde os primórdios do período Quaternário. Estando no auge do período chuvoso, o transbordamento dos rios passa a preencher todas as conchas lacustres. Uma depressão lacustre transborda para outra até atingirem níveis de inundação compatíveis a uma horizontalidade de um plano de uma província de lagos. Com o transbordamento das bacias lacustres, os excedentes hídricos são lançados para o mar, através de rios sangradouros que a geomorfologia ambiental denomina de rios emissários.
Esse é o grande triunfo da Baixada Maranhense, que ao hospedar em sua bacia sedimentar uma diversidade de rios em seus estágios de senilidade, agrega essa característica especial, oriunda de sua própria natureza rebaixada. Deste jogo de combinações, emanam regiões lacustres distintas, mescladas de rios, ilhas, ambientes pantanosos, que não só denotam uma extraordinária beleza paisagística, mas consagram um notável exuberante patrimônio natural, rico pela abundância de seus elementos físicos e pela formidável biodiversidade residente.
Na ótica da geomofologia ambiental, a Baixada Maranhense nos faz perceber um precioso laboratório vivo da história geológica mais recente da superfície terrestre. Desperta ainda, a riqueza paisagística expressa na diversidade de seus recursos naturais, principalmente seus ambientes hídricos, onde se destacam os rios e lagos em seus mais variados portes e volumes de água.
Os rios, por exemplo são elementos decisivos no emaranhado paisagístico, onde se destacam a presença de vales caudalosos dos rios de grande e médio porte em seus baixos cursos, que em plano altimétrico baixo, se apresentam mais volumosos e dispostos em planícies de inundação mais expansivas. Os rios emissários (temporários e perenes) entrelaçam os lagos em diferentes períodos sazonais, enquanto que os igarapés e nascentes formam microbacias que desempenham importantes pulsos de inundação que completarão os ciclos das cheias anuais.
Os lagos em suas especificidades regionais (lagoas, lagunas, poções) experimentam um curioso dinamismo superficial diante das constantes mudanças de volume de água. Outros ambientes característicos de zonas úmidas como enseadas, estuários, rias afogadas, pântanos, charcos, igapós, manguezais e apicuns, são elementos pontuais na fisiologia das paisagens da Baixada Maranhense, por vezes funcionando como componente estrutural dos lagos ou como subsistema interativo.


[1] Trabalho científico apresentado em comunicação oral no II Colóquio Internacional Desenvolvimento Local e Sustentabilidade: Novas abordagens velhos dilemas, em São Luís-Maranhão, Brasil durante os dias 18 a 21.10.2011.
[2] Professor Assistente da Universidade Federal do Maranhão (Campus Pinheiro), licenciado em Geografia e mestre em Sustentabilidade de Ecossistemas.
[3] Denominação de como este conjunto de lagos é conhecida na região da Baixada Maranhense. A base conceitual lançada pelo autor deste trabalho, na obra: Segredos do rio Maracu - a hidrogeografia da região úmida dos Lagos de Reentrâncias da Baixada Maranhense, 2011 (no prelo), define duas novas denominações cabíveis ao conjunto de lagos, uma referente a sua origem (Lagos de Reentrâncias da Baixada Maranhense) e outra referente aos principais cursos fluviais que o corpo hídrico está agregado como subsistema (Sistema Lacustre Pindaré-Mearim).

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